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quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O que aprendemos com... reflexão final

Bem sei que nestes mexericos religiosos não é certamente quem menos preconceituoso se mostrar que leva a sua avante e, ainda que reconhecendo que a minha série O que aprendemos com foi escrita um pouco em tom jocoso e sem grandes preocupações narrativas - não fosse a bíblia um livro multidimensional e baseado no diz-que-disse - há que tirar uma vaga conclusão das quatro histórias que tentei contar.

Caim, Abraão, e são meros personagens de circunstância numa impiedosa fábula que o mundo experiencia. Se por Caim entendermos o José da vila, por Abraão o padre Jacinto, por o católico de domingo e na velhota reformada que assume como bênçãos todas as conquistas dos seus netos conseguirmos vislumbrar vestígios de , estamos não só a encontrar representações com algum grau de fidelidade dos personagens acima referenciados nos elementos constituintes da sociedade portuguesa como também a perceber de que (tão pouco) singelo modo a religião tem influência nas pessoas, assumamos crentes por descarga de consciência. Mas não só estes últimos são visados pela nossa herança religiosa:
Se deus quiser, vai com deus, que deus me acuda, que deus te acompanhe, deus nosso senhor te ajude, 
tudo expressões que a maioria de nós (alguns mais descuidados que outros) utiliza no quotidiano, porque os nossos pais já as usaram à nossa frente, porque acreditamos no efeito daquelas palavras, por aflição de circunstância e, verdade seja dita, porque não pensamos em tudo o que dizemos. E vezes também há quando pensamos mas não intelectualizamos a nossa mensagem, o Fernando bem sabia o que isto é pois nunca caiu nesse erro, pobre coitado, tão louco e tão sóbrio.

Independentemente da ficção ou veracidade de Caim, Abraão, ou , parece-me justo afirmar que a) os temos, enquanto sociedade católica, como modelos a seguir - no caso de e Abraão - e modelos a ter em conta - no caso de Caim e - e b) existe quem se preste a fazer pedagogia sobre os seus exemplos. Mas já que tocamos na ferida, também existem os que c) não conhecem as histórias de tais senhores. Por ventura seriam estes, os desconhecedores, os menos afetados pela moral com que somos empapados, pois ao ignorarem o que vou mencionar a seguir, talvez evitassem questionar que deus é este e que autoridade tem ele para me obrigar a ser filicida. Ainda assim, em jeito de conclusão:

Caim
             deus não aceitou o seu sacríficio, não lhe explicou motivos para tal e fê-lo andar errante pelo mundo.


             deus, sem que nada o justificasse a não ser vontade divina, ordena-lhe que mate o próprio filho, Isaque.


            vê-se envolvido numa contenda entre deus e o diabo, que lhe retira as suas posses e a sua saúde por forma a renunciar à sua fé. Jó não o fez.

        
            é materialista, egoísta e não segue os mandamentos de deus. A sua mulher, ao ver a sua casa em chamas, vira-se para trás e é transformada numa coluna de sal.

Não espero uma reacção em concreto ou particular em relação àquilo que escrevi, apenas posso imaginar um alcance desde o choque até à indiferença. Não obstante, algo para mim é evidente: quem se mete com deus sai tramado.

domingo, 16 de outubro de 2011

O que aprendemos com... Abraão, parte 2

Dando continuidade à serie O que aprendemos com, onde já escrevi sobre a história de Abel e Caim, vou debruçar-me agora sobre Abraão.

Abraão 

Abraão, marido único de Sara, claro está, que nem mesmo com 175 anos ela o largou - e o mesmo não se pode dizer dele, que foi testando o sémen - "ai que tanto desejo ver nascer o meu rebento!" -em mais parceiras, é-nos dado a conhecer no Antigo Testamento, logo em génesis, no começo dos tempos.
As suas características são notáveis: patriarca da fé, possuidor de extrema paciência - pois quem espera sempre alcança e Sara acabou "por lhe dar" um filho - pai extremoso, enfim, já disse homem de fé inabalável? Pronto, era um excelente servo do deus todo poderoso.
Tudo leva a crer que por isto a relação que Abraão e deus tinham fosse da maior das cordialidades, com lealdade e justiça pelo meio, tudo consolidado pela fé. Ora a fé sem obras morre e se Abraão cumpria diariamente a sua parte - rezas para aqui e para acolá, agradecimentos ao senhor e que vivamos todos em paz - deus deve-se ter sentido na obrigação de recompensar o seu servo. Prometeu-lhe então um filho.


Nos entretantos é possível que Abraão tenha feito muitos puzzles, (ou terá nascido infértil?) isto digo eu sem saber e especulando, até podia ter resolvido algum défice financeiro na região onde morava, pintado a capela sistina, sei lá, qualquer coisa de relevo e que ocupasse tempo, pois o que se sabe com certeza, pois a bíblia assim nos indica, é que ele já era velho quando nasceu Isaque. Bem, velhos são os trapos, já se sabe, mas o que consta é que Abraão já fosse centenário, já teria tido uma vida cheia, e Sara, grávida aos 90, não ficou nem com um sorriso amargo na cara, nem com um esgar de preocupação, nem um franzir de sebrolho que seria de esperar numa situação destas.
Não referi em vão que Abraão era um homem de grande fé, até porque é fácil perceber que o era, pudera, de tantas vezes foi tentado e nunca negou a deus, insaciável, assim era a relação deles, um pedia e o outro dava, e em troca era abençoado. Poupo-vos dos detalhes das primeiras provas de fé, quando deus obrigou Abraão a separar-se de membros da família e amigos queridos, pois estes, também provas superadas, foram apenas ilustres desconhecidos face a Isaque, filho unigénito e primogénito de Abraão, tal como Jesus, possível forma de compensação de deus, arrependido com o que fez a Abraão.


Ora, curto e conciso como não pretendo nem se pode ser nestes assuntos da bíblia com a exegese e tudo mais, em génesis 22 surge mais uma prova para Abraão superar: "mata o teu próprio filho." Matar o próprio filho é coisa que à partida, com mais ou menos fé, qualquer um de nós faz por deus, ainda por cima se conferenciamos com ele diretamente e ele nos dá ordens, ao mesmo tempo que ordena o solo para produzir mais ou menos, e seria nesses moldes que Abraão deve ter agido, uma promessa por outra. Aqui até se pode comparar com a banca e os empréstimos que fazemos, nós os Abraãos da vida e os juros as nossas provas de fé. Lá que hoje nos pareça estranho é outro assunto, mas é bem possível que os capitalistas do mundo tenham aprendido mais uma lição de justiça retributiva - ou coisa que o valha - com deus, porque se naquela altura queríamos sustento hoje queremos casas com piscina e telemóveis que tirem fotografias e isso tem de levar uma adaptação (ou punição), neste caso, uma hipoteca ou um qualquer contrato que nos obrigue a um pagamento até ao final das nossas vidas. Não serão 175 anos, mas só porque hoje já não vivemos tanto tempo, já tão longe da perfeição dos primeiros criados e por conseguinte, só durante 30 ou 40 anos é que nos vemos na obrigação de servir de Abraão neste - mais um - capítulo de justiça retributiva.


Para finalizar, que o leitor já deve ter a vista cansada, é sempre bom ressalvar que Isaque não foi morto, foi salvo por anjinhos antes de sentir o calor da madeira a arder, tal é o timing de deus nestas provações e portanto, prova superada, deus e Abraão continuam amigos, agora com confiança revigorada perante o derradeiro dos sacrifícios.

Mas que dizer de Jó? Até que ponto deus permitiu que este seu servo sofresse? No próximo artigo tentarei contar a sua história, sem grandes evidências históricas, claro está, que não sou nenhum teólogo nem padre, embora muito inveje o Padre Carreira das Neves que, em mais um capítulo da sua amizade com Saramago, pôde debater com ele estas e outras questões, em direto para a televisão nacional, com direito a toque polifónico e tudo.